quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Dualidade


Do topo de um edifício muito alto, o maior que havia no centro daquela grande cidade, uma moça observava atenta as luzes e a movimentação das pessoas lá embaixo, o vento batia em seus longos cabelos negros, trazendo um pouco de frio. Ela estava usando um longo vestido preto, e protegia os ombros com um lenço escarlate.  
A moça via as pessoas andando de um lado a outro, os carros sem paciência quase atropelavam quem passasse em frente. Daquela altura as pessoas pareciam tão pequenas que lembravam mais um grande e atrapalhado formigueiro. Na maior parte das vezes era isso que ela pensava que fossem realmente, um bando de formigas. Mas logo corrigia sua observação, pois as formigas eram extremamente organizadas, e isso era coisa que não se via ali. Os humanos nem sequer se espelhavam nos insetos, eram mais como grandes carniceiros, arruaceiros e egoístas. Pensar neles a irritava ainda mais, como ela detestava aquela espécie, não conseguia ver nada de positivo neles, nada que pudesse os tornar um dia pelo menos um pouco parecidos com a espécie que deu origem a eles, da qual ela também descendia. Vermes, barulhentos e inconsequentes era como ela via os humanos.
Desviou os pensamentos daquilo, não queria que nada estragasse o momento que ela tanto aguardava, eram tão poucos que não deveriam ser estragados por coisas tão banais assim, principalmente por reles humanos. Lenora esperava ansiosamente a chegada de alguém que sempre amou, os dois pertenciam a mesma espécie, eram descendentes dos mesmos deuses, que um dia formaram a vida humana, porém tinham uma relação diferente com os humanos. Ele compreendia as imperfeições humanas, aceitava os defeitos que eles tinham e a busca deles por essa perfeição, protegia, cuidava deles, mas nunca se mostrava a eles. Já Lenora fazia o que podia para provar que os humanos jamais seriam merecedores da ajuda que ele dava, expunha as mazelas humanas sem o menor pudor, tentava-os, se fosse preciso, de todas as maneiras que ela poderia usar. O poder era a sua forma preferida para tenta-los, os humanos nunca resistiam muito tempo a isso, sempre eram vencidos, e com isso ela afirmava ainda mais que seu modo de pensar era superior ao dele. Lenora o queria a seu lado, queria que ele entendesse o erro que foi a criação e a libertação dos humanos. Como ela poderia amar tanto alguém como ele, alguém que protegia os seres que ela detestava? Mas o sentimento que Lenora tinha por ele era mais forte do que ela. Os dois eram feitos da mesma essência, jamais conseguiria ficar longe dele. Se o universo cria coisas em pares, então ele era o par dela, o único ser que conseguia acalmar e suavizar seu coração, disso ela tinha certeza absoluta.
Conseguiam se encontrar tão pouco... eram os responsáveis por liderar as duas maiores forças opositoras que havia naquele pequeno e esquecido planeta, cada uma dessas forças lutando pelos humanos, uma pelo direito de eles evoluírem, e outra, a que Lenora cuidava, lutava pela extinção desses mesmos humanos. Os humanos os definiriam como o bem e o mal, e ela achava tão simplória essa definição. Perguntava-se às vezes o que era o bem que eles pregavam e o que seria esse mal.
Os humanos não tinham a menor noção do que era a real definição dessas duas forças, preocupavam se com coisas tolas, e não imaginavam o quão vasto era o universo. Lenora conhecia todas as raças que dividiam o cosmos. Era sempre responsável por apaziguar as raças que tinham a intenção de exterminar logo o erro dos Elohim. Era assim que os humanos eram considerados: um erro. Era irônico Lenora fazer isso, pois sempre desejou que os humanos sumissem logo de uma vez, mas ela fazia isso pelo planeta, pelo mundo que ela conhece como lar, achava que aquele orbe era destinado aos da sua espécie, não aos humanos, já tinha tudo planejado, sabia como daria um fim aos humanos, esperava somente o momento certo.
De repente uma brisa leve encostou novamente em seu rosto, sentiu que agora sim, ele havia chegado. Não olhou para trás de imediato, se acalmou mais uma vez, queria desfrutar da alegria de estar com ele, seu coração saltava sempre que o via, e Lenora tentava conter isso de todas as formas. Ele sempre tentava convencê-la de que estava do lado errado e Lenora precisava manter o controle sobre seus pensamentos, para que ele não pudesse descobrir nada sobre os planos que tinha para os humanos, essa era a parte mais difícil desses encontros, controlar um sentimento que parecia incontrolável.
Lenora? Chamou ele.
Ela se virou devagar, queria se acalmar mais um pouco, por mais que milênios houvessem passado, o som da voz dele ainda tinha o poder de deixa-la arrepiada.
Argos! ela se virou para vê-lo Você demorou um pouco mais dessa vez.
Tive alguns problemas antes de chegar.
Não sei por que, você ainda perde seu tempo ajudando os humanos. São dois trabalhos ajudar e faze-los esquecer que foram ajudados.
Eles são responsabilidade nossa, você sabe disso.
Não! Eu não os coloco como responsabilidade minha, pelo contrário. Eu os acho indignos de qualquer ajuda que um de nós possa oferecer.
Sei que você tem rancor, mas deveria rever isso.
Não é uma questão de rancor e sim de lógica. Pense, reflita, sobre o que os humanos já fizeram até hoje, e veja se realmente é aceitável o comportamento deles.
Eles são divididos entre o bem e o mal Lenora. São apenas criaturas imperfeitas.
A meu ver a balança pesa mais para o mal. Sou um ser milenar, já vi tudo que eles são capazes de fazer, e não foram coisas boas. Eu presenciei guerras, matanças, injustiças, fome e todo tipo de misérias, que só eles são capazes de criar.
Argos só ouvia o desabafo dela, ele prestava atenção, e tinha um carinho no olhar, não retrucava nada, queria que ela relatasse tudo que pensava antes de se pronunciar a respeito. E não podia negar que ela ficava ainda mais bonita brava.
Lenora respirava fundo, tentando não descarregar a raiva que sentia dos seres que ela julgava tão inferiores, em quem ela amava.
Já tentei, Argos, mesmo escondido, ajudar os humanos, mas eles sempre distorciam tudo. Eu sempre me arrisquei atoa.
Você só fez isso uma vez.
Não! Foram várias vezes.
Não sabia que você havia tentado ajuda-los mais vezes?
Ninguém sabe. Hoje temos novamente um pouco mais de liberdade quanto a isso, mas se nossos superiores descobrissem na época em que fiz, correria sérios risco. Poderiam até me exilar.
Você sabe que sempre teve a proteção de uma das mais fortes Nefilins que existiram.
Eu sempre soube disso. E você sabe bem, que eu até tirei proveito, mas na época era necessário.
Eu sei e arquei com sua atitude. Argos demostrou sua reprovação e tristeza ao confessar isso.
Lenora parecia não demonstrar culpa ao vê-lo chateado, o que ele passou não foi fácil, mas para ela o que realmente importava era o resultado de tudo, que acabou sendo favorável a ela.
A primeira vez que eu ajudei os humanos, foi quando me apresentei a Boadiceia, com o nome de Andraste. Nós ainda tínhamos sérias restrições quanto a isso, já havíamos feito bagunças demais no destino deles. Ezu, meu pai, estava como o responsável pela Terra. Eu gostava do modo com que o povo da rainha Boadiceia me adorava, eu era a deusa da morte, mas chegar até eles me apresentando dessa forma não daria certo, então assumi a forma de Andraste, a deusa da guerra deles, mas que nós conhecemos um dia por Elenia, pena que ela estava ocupada demais com as brigas em volta dela, se não fosse isso acredito que ela mesma teria feito o que eu fiz. Ela nunca teve medo de Hix e Taranis, muito menos de Ezu. Fazia o que queria e pronto.
Mas eles descobriram que alguém ajudou Boadiceia.
Eu lembro, e sabemos que ela assumiu minha culpa. Mas pelo menos meu intento deu certo.
Até certo ponto. Você nunca foi ligada a estratégias militares e sabe que final foi trágico. Ezu vendo que foi pela interferência de um Nefilim, que o curso natural foi mais uma vez mudado, e aconselhado por Marduk, incumbiu Augusto do exército oposto, e você sabe que fim teve.
Augusto é um guerreiro, não tanto quanto você, mas é. Ele sempre gostou de estar no campo de batalha, mas é um sanguinário cruel. Não entendo você não ter ido se opor a ele.
Eu não podia. Eu, Elenia, Lix e Kenix estávamos sob forte vigilância.
Galaz uma forte vigilância? Não me faça rir. A única coisa que Galaz queria, era se assegurar que Marduk o aprovasse em tudo que fazia.
Na verdade, creio que, Elenia não queria que descobrissem você.
Uma desculpa mais aceitável.
Lenora respirou fundo, na época ela não aceitou a decisão de Ezu e Marduk, ao mandarem Augusto. Muito menos a passividade que Elenia e Argos tiveram. Mas ficou quieta, pois poderia ter sido bem pior. As intervenções de Elenia davam sempre melhores resultados, ela conseguia corrigir tudo como queria, por mais que ela desafiasse a todos para fazer o que julgava certo, acabava se saindo bem com os líderes, num ponto Argos tinha razão, Lenora jamais gostou de guerras, e nunca se interessou em aprender as coisas que Taranis ensinava, só queria aprender a lutar para se defender, as estratégias nunca a despertaram interesse. Por isso passou a interferir pelas áreas que dominava: magia, política e ciência.
Agora um fato que para você será uma surpresa. comentou ela Lembra-se de Ulpianus?
O jurista romano?
Sim! Lenora parecia orgulhosa com o que iria contar Foi eu quem o influenciou a criar o: Viver honestamente, não ofender ninguém e dar a cada um o que lhe pertence. Quando meu pai viu essa centelha de justiça nascendo, mandou que o ajudassem, queria que iluminassem os caminhos do jurista para que pudesse florescer cada vez mais. Ironizou ela.
Mas isso foi um grande avanço. Ele tentava fazer com que ela visse, que realmente havia feito algo bom.
Você por acaso lembrasse disso? Ela mostrou o sinal de positivo virado para baixo. Grandes homens morreram com um sinal como esse. Como você acha que eu posso entender as perversidades humanas, eles eram justos só quando os convinha.
Lembrar daquilo, só a fazia ter mais certeza que os humanos eram mesmo capazes de coisas horríveis. As lembranças vinham cada vez mais nítidas, ele suspeitava que ela havia interferido na vida humana diversas vezes, incluindo negativamente, mas esperou que ela voltasse a relatar tudo.
Tudo que eu fazia para o bem, os humanos deturpavam, eu apareci para vários que se auto intitulavam magos, mas nós sabemos o que é ser um mago. Tentei ensinar curas, terapias e remédios, mas logo viravam drogas alucinógenas ou seitas. Passei a assistir à queda de cada um deles, às vezes eu até as provocava, já que tentativas de auxilio eram sempre erros. Vi coisas horríveis, mesmo quando eles já se diziam civilizados. Mortes em massa, ataques desleais, manipulação de povos, ganância. Argos, eles são feitos desse sentimento. Sempre foram os mesmos, ano após ano, década após década, e nunca mudaram e nunca irão mudar. Eu vi a queda de impérios, vi os horrores das guerras.
Lenora estendeu a mão na direção de Argos, de repente ela fez uma imagem da Terra aparecer diante dele, sob a palma de sua mão. Ela olhava quieta pensativa a pequena imagem da Terra, ele a acompanhava com olhar de admiração, pois a imagem que ela fez era de uma perfeição magnífica.
Um planeta tão pequeno. Lenora olhava com certa melancolia Tão minúsculo perto dos tantos que nós sabemos ter espalhados pelo universo. No entanto somente aqui, na Terra, é assim. Os humanos se dividem de uma forma que nenhuma outra civilização faz, criam barreiras para tudo e impendem a própria evolução, são inescrupulosos, sem noção de coexistência. Todas as outras civilizações são unidas não se separam por linhas imaginarias. Já eles!?
Argos sabia que ela tinha razão, e que isso não mudaria tão fácil, mas poderia. Os rancores dela veem desde quando era apenas uma criança, sabia que Lenora tentava ajudar, mais para tentar agradar ao segundo ser que ela mais amava, do que por suas reais convicções. Argos era o único que a conhecia realmente, que sabia o que seu coração realmente trazia, sabia até melhor que a própria Lenora. Talvez o modo com que ela resolveu ajudar, não fosse o mais correto. Era esse exatamente o medo que os antigos lideres tinham, se os Nefilins interferissem na vida dos humanos, provavelmente iriam ficar cada vez mais contra eles. Poucos eram os Nefilins que conseguiam se manter neutros, auxiliar sem se deixar influenciar pelo escolha nem sempre favorável que os humanos faziam.
Lenora passou a olhar para o céu, que naquela noite, estava lindo. Ela olhava com mais atenção para um ponto específico, parecia até querer achar alguém lá, os olhos dela brilhavam muito, Argos sabia que ela estava com saudades de uma pessoa em especial, e ela queria alcançar seus pensamentos naquele ponto, queria dizer pelo menos um oi, e quem sabe, saber como essa pessoa que ela tanto procurava, estava.
Não acho que ela volte Argos. Suspirou ela.
Por que você diz isso?
A procurei por toda parte, e não a achei em nenhum Nefilim recém-chegado, ou como dizem os humanos nascido, a essência dela simplesmente sumiu. Cheguei a suspeitar da filha de Cazzin e Zorah, mas era Basck, minha querida amiga, que teve uma passagem tão curta.
Não sabia que ela havia morrido novamente.
Os dois estavam tão felizes em ter Basck por perto, queriam realmente dar a ela a oportunidade de se redimir. Cheguei a pensar que a morte de Basck fosse um pretexto para trazer Elenia sem muitas dificuldades. Pois sabemos que Marduk mataria Elenia assim que percebesse que ela estava novamente entre nós.
Mas eles têm uma filha pequena agora não tem? Argos parecia querer sondar Lenora, e descobrir o que ela sabia sobre a criança.
Sim, mas é uma humana. Suspeitamos que seja uma humana perfeita, e se for não sei quanto tempo ela viverá ainda.
Se você achar Elenia vai entregá-la?
Não sei, sigo a Marduk, ele quer saber sobre o paradeiro dela. Nós procuramos incessantemente. Mas nada, não conseguimos achar nada. Senti quando Hix e Taranis aumentaram a influência das suas energias, e eles contaram com ajuda de outros Nefilins, eram muitos para mim, por isso não consegui descobrir o que realmente fizeram.
E então por que você acha que ela foi para Erra?
Para tirar uma energia igual à dela daqui, demandaria a mesma força que eles usaram, mas confesso que preferia que ela estivesse aqui.
Argos percebeu que ela provavelmente não contaria a Marduk se achasse Elenia. Lenora iria omitir o crescimento dela. Por diversas vezes afirmava a si mesma que Elenia estava em Erra, quanto mais ela acreditasse nisso mais fácil seria para esconder de Marduk, onde suas reais suspeitas estavam.
Esqueça esses assuntos agora, temos tão pouco tempo juntos.
Lenora o abraçou, o tempo que tinham era curto e precioso, não iria mais prolongar o assunto, queria ficar com ele em silêncio, sentia que perto dele poderia ser frágil sem medo, sem mascaras, a firmeza com que ele a abraçava dava a ela essa certeza disso, então era melhor aproveitar, afinal não sabiam quando seria a próxima vez que poderiam estar juntos novamente.
Argos percebia a confusão que a cabeça de Lenora era, ela não conseguia se manter firme, oscilava em 
suas escolhas, todas as suas atitudes eram escolhidas primeiro pelo rancor e sentimento de superioridade, depois que ela agia impulsivamente era que media as consequências,  ela era um ser poderoso e no entanto vivia em um conflito milenar, quem sabe um dia ela conseguisse descobrir, o que realmente poderia ser feito de útil tanto para os humanos quanto para os Nefilins, a final são duas raças irmãs que um dia irão ou se destruir ou se unir, a união era algo defendido por Elenia, já a destruição dos humanos é algo que Marduk ainda defende. E Lenora poderia ser de grande importância para os dois lados. 


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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O súcubo




Estereótipos nunca foram o meio mais confiável de se julgar alguém, principalmente quando perseguimos um ideal, que não corresponde com realidade alguma, e que muito menos nos faça bem.
Normalmente, buscamos algo sem sentido, sem valor, só para satisfazer o nosso ego.
Pena que não percebemos a ruina antes que ela chegue, pois assim evitaríamos dor, lágrimas ou até coisa pior.
Vai sair hoje?
Com certeza! Hoje é sexta, e eu estou muito animado.
Te encontro no bar as nove então?
Sim, estarei lá.
            Gabriel amava as sextas feiras, a diversão, as conquistas, já Vitor tinha mais prazer com a companhia do amigo, que com a badalação que ele buscava. Gabriel queria viver intensamente, mulheres, bebidas, diversão, mas nunca estava satisfeito com o que conseguia. Sempre buscava algo a mais, algo que ele criava em suas fantasias.
Você busca algo que não existe. Disse Vitor.
Não é bem isso. explicou Gabriel Busco um corpo atlético, um rosto lindo e uma mente inteligente, tudo combinando comigo.
Vitor ria ao ouvir o amigo relatando como seria alguém ideal, provavelmente era uma máscara para alguma insegurança que ele trazia. Mas algo surpreendente aconteceu naquela madrugada. Sentada sozinha no balcão estava uma moça que passou a chamar muito a atenção de Gabriel.
Onde você está indo? Perguntou Vitor.
Veja aquela moça, que está ali sentada.
A loira?
Sim. Preciso falar com ela.
Ele seguiu em direção ao balcão, estava ansioso, e era algo incomum para alguém como ele. Mas aquela moça realmente aguçou a sua curiosidade.
Olá! Cumprimentou ele.
A moça o olhou dos pés à cabeça, sem demonstrar nenhuma empolgação com o cumprimento, fingiu que não era com ela. O amigo que acompanhava a distância não se conteve e riu. Gabriel voltou sem graça, nunca havia passado por isso.
Cadê o conquistador? Perdeu o jeito?
Perdeu o jeito, perdeu o jeito. Retrucou Gabriel com certo deboche e impaciência na voz. - Só comecei.
A indiferença da moça era como um desafio, rejeição era uma coisa que ele não estava acostumado. Ele a olhava no balcão, um misto de desejo e raiva crescia cada vez mais. Ela realmente parecia estar sozinha, não via motivos para que ela o rejeitasse daquele modo. Por mais que o amigo dissesse que ele estava dando importância demais a algo pequeno, ele não o escutava sentia o ego ferido.  A única coisa que conseguia pensar era em tê-la.
Entre uma cerveja e outra, ele viu que um rapaz robusto se aproximou dela. Os dois pareciam íntimos, ela sorria ao conversar com ele.
Esquisito aquele cara! Observou ele.
Não é esquisito, só está me parecendo ser o namorado dela, e isso está incomodando você.
Gabriel decidiu desligar-se por um tempo do seu objeto de desejo, afinal Gabriel era grande, mas o companheiro dela era bem maior, uma briga com ele e com certeza não sairia vitorioso.  Mesmo assim a beleza dela continuava a enfeitiça-lo, percebeu que algumas vezes ela o olhava, só que ele ficava constrangido em retribuir, achava que ela provavelmente havia comunicado ao namorado a investida dele.
Aquela sexta foi diferente das outras. Ele foi surpreendido, descobriu que nada era tão fácil quanto sempre achou ser, alguém mostrou algo diferente a ele. E o pior, outro estava com a moça que ele não tirou da cabeça durante o fim de semana todo. Achava que jamais iria encontra-la novamente, quantas mulheres ele conheceu e uma única foi capaz de deixa-lo sem chão apenas por rejeita-lo. Na sexta seguinte foram ao mesmo bar, ele não escondia a ansiedade em poder vê-la entrando, mas nada, ela não apareceu lá naquela noite, sumiu como se jamais existisse.
Vitor achava que ele estava levando o fora a sério demais. Gabriel estava deixando o lado conquistador que tinha de lado por um capricho maluco e sem esperanças.
Quando já não tinha a menor esperança de vê-la novamente, ela passou por ele em frente ao trabalho. Ela parecia triste e Gabriel percebeu que ela chorava. E sem pensar duas vezes ele foi atrás dela.
Posso ajuda-la? Perguntou ele.
Não é nada demais, logo passa.
Pelo modo como você está, não me parece ser algo tão simples. Venha vamos tomar um café e você se acalma um pouco.
Os dois entraram em uma cafeteria próxima, ela parecia abalada com alguma coisa. Ele ficava quieto somente olhando e esperando que ela se recuperasse e pudessem conversar.
Às vezes, algumas pessoas nos machucam sem motivos. Desabafou ela.
Não sei o que a faz tanto mal assim, mas saiba que isso passa.
Me chamo Sanadih. Disse ela estendendo a mão.
Gabriel.
Obrigada por me ajudar, estava muito nervosa e andava sem rumo.
Eu conheci você a duas sextas feiras atrás. Acho que você não vai se lembrar.
Desculpe, mas, não me lembro mesmo.
Você estava com seu namorado. Um grandalhão.
Ex-namorado. Por isso estou assim hoje.
Ele não conseguiu esconder o sorriso ao ouvir que ela estava livre, sua pequena obsessão poderia ser saciada agora, pediu então dois cafés. Ela falava sobre sua decepção, já ele ouvia nos relatos a oportunidade que precisava, a sorte finalmente havia mudado. Conversaram por horas, a tristeza dela aos poucos era substituída por risos, pois, ele tinha uma forma engraçada de pensar sobre algumas coisas, e ela se divertia com isso.
Ele contou que era investidor, tinha um escritório em sociedade com um grande amigo, o que estava com ele no dia que a viu pela primeira vez, e não ficou nem um pouco surpreso quando ela disse que era modelo fotográfica e que organizava eventos de diversos artistas pela cidade. Um tempo depois ela disse que precisava ir. Ele pegou um cartão entregou a ela e ela fez o mesmo.
Posso te ligar, convidar você para tomar alguma coisa? Perguntou ele.
Pode sim, gostei da sua companhia.
Durante o restante da semana ele se segurou ao máximo para não se afobar e ligar antes da hora, precisava deixar para sexta, torcia para ela não ter nenhuma recaída com o brutamontes que ela namorava, e que quando ligasse ela aceitasse o convite.
Definitivamente você achou o que procurava. Afirmou Vitor.
Creio que sim.
Ele segurava o cartão dela, branco com os dados escrito em rosa claro, e algumas flores pequenas no mesmo tom de rosa adornando. Vitor puxou o cartão olhou um pouco.
Sanadih? Nome bem diferente não acha? Comentou Vitor.
Sim, não dá nem para saber a origem dele. Gabriel terminou a frase e pegou o cartão de volta.
Na sexta à noite os dois saíram. Foram em um bar diferente dessa vez, mas por coincidência lá estava Sanadih. Agora ela foi bem mais receptiva, e sorriu ao vê-lo entrar.
Chame-a para junto de nós. Sugeriu Vitor.
Você não se importa?
Não, mas eu iria gostar mais ainda se ela estivesse com uma amiga. Mas como sou teu amigo vou quebrar essa, e ver se arrumo uma paquera aqui. Brincou ele.
            Gabriel foi até Sanadih, para convidá-la a se sentar junto com eles, ela aceitou de imediato, se apresentou a Vitor, que muito curioso com o nome exótico que ela tinha perguntou a origem, ela disse que era um nome muito antigo, que o pai havia escolhido, pois na terra dele era o nome de uma flor. Quando ela falou do pai, eles perceberam que os olhos dela brilharam muito.
Você ama muito seu pai, não é? Perguntou Gabriel.
Ele morreu quando eu era pequena. Nós éramos muito ligados.
Apesar do minuto de constrangimento, devido a tristeza que ela demostrou ao falar do pai, eles continuaram a conversar descontraídos. Ela o encantava cada vez mais, inteligente, divertida, um perfume absolutamente envolvente, e o vestido verde que acentuava sutilmente as curvas do seu corpo.
Vitor depois de um tempo resolveu deixá-los sozinhos, percebia o olhar cada vez mais apaixonado do amigo, e sabia que era a primeira vez que isso acontecia. Sanadih parecia um pouco tímida, pois mexia na bebida bem devagar, só que para Gabriel ela estava encantadora, ele não resistiu mais e tocou as mãos de Sanadih, que correspondeu e o deixou mais tranquilo para tentar pedir um beijo. E ela concedeu.
Ele estava cada vez mais certo de que havia encontrado alguém especial, estava seguro e disposto a conquistá-la cada vez mais, queria agradá-la, cuidar dela. Ela parecia um anjo, de longos e lisos cabelos dourados.
A noite passou rápido, nem perceberam o tempo correr, até ela dizer que já era hora de ir embora, e ele mais que depressa fez o convite para irem almoçar juntos no dia seguinte.
Convite aceito. respondeu ela Me busque amanhã à uma da tarde.
Ela saiu, esperou o manobrista trazer seu carro, um quatro por quatro vermelho, e partiu. Gabriel entrou em seu carro, seguido por Vitor, que no caminho comentou:
Você está correndo perigo.
Por que diz isso?
Está correndo risco de se apaixonar por ela.
Não acho que isso seja perigoso. Sorriu ele.
No dia seguinte, na hora combinada, Gabriel estava na porta do edifício onde Sanadih morava. Ele viu o ex-namorado dela passar por ele, subindo a rua. Ficou preocupado, ele poderia ter ido procurar por ela. Assim que ela desceu, Gabriel a fez entrar rápido no carro.
Vi que seu ex está rondando por aqui. Ele procurou por você?
Às vezes acho que ele gosta de me fazer mal.
Logo ele irá deixa-la em paz. Quer ir onde?
Hummmm.... ela fazia charme para escolher um lugar Gosta de comida japonesa?
Sim. Então vamos comer comida japonesa.
Os dias com ela se tornavam cada vez mais interessantes. Descobrir as coisas que ela gostava, unir as coisas em comum, a fascinação que ela tinha por culturas antigas, ás vezes mostrava tanto conhecimento sobre essas civilizações, que parecia ter vivido lá, o que obviamente era impossível. Para que isso fosse verdade, ela teria que ter uns mil anos de vida no mínimo, só para viver tudo que parecia ter vivido, mas era interessante ouvi-la dizer. Os tempos de farra estavam terminados, ele só tinha olhos e desejo por ela. O ser mais fascinante que poderia ter encontrado. Ele estava ansioso para que passassem para a próxima fase do romance, então a chamou para tomarem uma bebida em seu apartamento. Ficou inseguro, com medo de uma negativa, mas quando teve um sim, mal pôde conter a alegria. Às oito horas da noite Sanadih tocou a campainha do apartamento de Gabriel, ela estava linda como sempre.
Ele o beijou de uma maneira muito mais intensa, serviu uma bebida a ela, se olhavam de uma maneira muito mais provocante da qual costumavam fazer.
Eu sei quais são suas intenções quando me convidou para vir aqui.
E quais são?
Minhas atitudes podem assustar você, não quer deixar isso para lá?
Nada me assusta, estou envolvido demais para me deixar levar por bobagens. Me diga o que poderia me assustar.
Sou intensa, e sei que isso assusta um pouco. Sorriu ela indo pegar um pouco mais de bebida.
Ele se levantou e a beijou no pescoço.
Quero ter você, quero que seja intensa, quero que seja minha.
O vestido dela caiu, assim que ele desfez os dois laços dos ombros. E ele ficou ainda mais encantado ao vê-la nua.
Ela era realmente intensa, e ele estava à mercê dos caprichos que ela escolhia. Amaram-se de uma maneira como jamais ele havia feito com alguém. Depois, cansados, deitaram cada um de um lado na cama, ele fazia carinho no braço dela e ela no rosto dele. Um pouco depois, ela reparou que já estava muito tarde.
Preciso ir.
Dorme comigo? Pediu Gabriel.
Não posso. Nos vemos no próximo fim de semana.
Ela então se despediu com um beijo, arrumou-se e foi embora. Ele passou os dias lembrando dela, estava um pouco desanimado por achar que o tempo não passava mais rápido. Até que novamente estavam juntos, como na primeira vez. A intensidade dela era fascinante, ele poderia facilmente se acostumar a se deixar dominar por ela, só queria que ela fosse dele, quanto mais a tinha mais a queria. Seus pensamentos, suas ações, agora pareciam girar em torno dela. Sanadih acabava de se tronar o centro de seu mundo.
Os dias foram passando, e Gabriel rendia cada vez pior no trabalho. Desatento, andava cada vez mais cansado e sonolento. Suas noites de sono eram cada vez piores.
O que está acontecendo com você Gabriel? Anda cansado, indisposto. Questionou Vitor.
Acho que não estou dormindo bem, só isso.
E esse seu relacionamento, não sei se você está conseguindo ver o quanto está obcecado por ela.
Engano seu. Sanadih me faz bem, consegue me fazer descansar quando está comigo, só nas noites que ela passa comigo é que durmo bem.
Vitor começava a achar estranho o modo como o amigo vinha se comportando, os olhos dele já não tinham mais a mesma vitalidade de antes. Andava apático, sem energia nenhuma. Pediu que ele procurasse um médico com urgência, mas Gabriel se recusou, sempre achando que seu problema se resolveria no momento em que conseguisse firmar um compromisso mais sério com Sanadih, pois ela era sua escolhida.
Até que, certo dia, finalmente chegou com a felicidade estampada no rosto! Finalmente ele havia pedido Sanadih em namoro e ela aceitara. Vitor percebeu que mesmo assim o amigo se mantinha estranho, apático. Resolveu por conta própria procurar qualquer coisa relacionada aos sintomas de Gabriel. Pesquisou desde assuntos científicos a assuntos místicos, tudo que pudesse fazê-lo ter argumentos sobre perdas de energia. Entre os assuntos místicos, um em especial chamou a sua atenção: falava sobre um ser demoníaco chamado Súcubo, um demônio feminino que seduzia os homens e sugava suas energias, até levar o escolhido a morte. Seres originados da mistura de anjos ou deuses com humanos. Sanadih se enquadrava perfeitamente na descrição de um Súcubo: era linda, inteligente, um olhar brilhante, um pouco misteriosa, sempre que falava sobre as civilizações antigas, parecia ter realmente estado lá, como se tivesse conhecido cada figura histórica ou cada cidade que hoje nem existe mais. Mas ela teve um namorado antes de Gabriel, então provavelmente não era um, a não ser que o namorado fosse outro tipo de demônio. Vitor contou a Gabriel sobre esses seres, os dois nunca foram dados a acreditar nisso, mas Vitor parecia até cogitar que a possibilidade realmente existisse. Vitor pesquisou pelo nome Sanadih, tentou relacionar com alguma flor, como ela havia dito ser, porém não existia. Resolveu então, como que por intuição ou desconfiança, pesquisar na lista de possíveis nomes de súcubos, e lá estava Sanadih. Gabriel riu da comparação, como sua Sanadih poderia ser um monstro? Ela poderia ser complicada em alguns momentos, ciumenta em outros, mas muito longe de ser o que ele havia pensado.
Se ela fosse um Súcubo, Vitor, como poderia ser detida? Ele riu ao fazer a pergunta, mas estava muito curioso.
Se ela for um mesmo um, ela é um predador de humanos, está no topo da cadeia. Você precisa ter muita sorte de um outro Súcubo querer enfrenta-la. Ou de cair nas graças de um anjo. Caso contrário está condenado.
Vou fingir que não ouvi isso, mas se te faz feliz, vou procurar um médico no início da semana. Mas por enquanto vou para casa, preciso buscar Sanadih agora, ela vai passar o fim de semana comigo.
Quando Gabriel e Sanadih conversavam no sofá, aninhados, ele resolveu comentar com ela sobre a delirante ideia de Vitor, de que ela fosse um ser das trevas, um Súcubo.
Ela ficou quieta ouvindo tudo que ele dizia, riu um pouco. Mas de repente os olhos dela brilharam mais intensamente.
Vocês humanos sabem muito pouco sobre meu povo. Disse ela levantando.
Sanadih, não precisa entrar na paranoia dele.
Você lembra quando eu disse que meu pai havia morrido quando eu era pequena?
Lembro, mas o que tem uma coisa com outra?
Meu pai era considerado um anjo por algumas culturas e um deus por outras. Morreu de forma covarde tentando defender a mim e minha mãe, uma humana, da ira dos outros deuses. Eu sou na verdade de uma raça mista, sou uma Nefilim. Mas vocês humanos sempre gostaram de enfeitar tudo, já nos chamaram de semideuses, de demônios, e também até de anjos. Quando na verdade tudo se resume apenas em Elohim, humanos e Nefilins.
Que brincadeira é essa? Sei que você ama cultura antiga, mas daí a ser um demônio, um ser milenar é ridículo.
Nós Nefilins precisamos de mana para viver, coisa que vocês humanos têm de sobra.
Quanto mais ela prosseguia, mais atônito ele ficava, em sua mente passou a pedir ajuda aos anjos como Vitor havia dito, pois outro Súcubo para enfrenta-la e ajuda-lo seria impossível.
Não adianta chamar os anjos, os que são capazes de interceder por você estão acomodados, inertes até que o líder retorne.
Você lê pensamentos?
Sim, leio e muito bem. Ela tinha um ar sarcástico ao responder.
O que você quer de mim?
Agora só finalizar o que eu comecei. Você acha que me escolheu, mas quem fez isso foi eu. Um predador escolhe a presa, não o contrário.
Ele viu que as unhas dela estavam maiores que o habitual, e eram fortes como garras. Ela sorriu e os dentes pareciam presas. Os olhos brilhavam intensamente.
Eu posso conviver com isso. Dizia ele.
Já tenho minha contraparte. Você o definiu como brucutu. Debochou ela.
Por que me fazer sentir amor por você, se só queria me matar?
Formas diferentes de brincar com a presa. Mas não se preocupe pouparei você dá dor.
Sanadih o prendeu psiquicamente. Gabriel tentou, mas não conseguia escapar. Ela gostava de matar de modos sórdidos, mas queria poupa-lo disso, acabou se afeiçoando a ele de algum modo. Mas não deixou de fincar a garra do indicador direito no peito dele para experimentar o sangue. Depois colocou a mão em cima do ferimento, para curá-lo da marca, ao mesmo tempo que sugava a energia que ele ainda tinha. Ela sabia que não poderia deixar pista nenhuma sobre o que acontecia ali.
Vou deixar o suficiente para que você possa avisar alguém.
Assim que Sanadih saiu, Gabriel sentiu sua vida acabando. Ela fez como disse: deixou o suficiente para que ele pudesse chamar alguém, mas ninguém iria acreditar que um ser como ela pudesse realmente existir, lembrou então do amigo, e teve força somente para mandar uma mensagem a Vitor.

Você tinha razão. E caiu desfalecido, sentindo o restante de energia ir embora.
Primeiro livro disponível na Saraiva On line